sábado, 28 de agosto de 2010

Pedro tinha dinheiro

- Volta pro jantar, amor? Perguntou a mulher, encostada no batente da porta.
Pedro, como de costume, estava atrasado demais para se despedir da esposa, entrou no carro e arrancou garagem a fora. Naquela manhã, as lágrimas de cansaço e arrependimento da mulher, escorreram pelas curvas do rosto corado de sol e terminaram por descansar em seus lábios, mais uma vez. Todo dia era a mesma historia, ela sentava no sofá e começava a lembrar da sua juventude, tempo bom e atirado no lixo quando conheceu o Pedro e largou a faculdade para morar com ele.
O filho também sentia falta da presença do pai em casa, nas reuniões escolares, no dia dos pais. A forma que Pedro arrumou para preencher o espaço dele, foi dinheiro. Sempre dava dinheiro para o menino se entupir com porcarias todos os dias, assim acabou obeso e continuou sem pai nenhum.
Pedro era ausente com a mulher, com o filho, com os amigos, com os animais, com os pobres, com a vida. Só não era ausente com o trabalho, a lavagem de dinheiro e com todos aqueles colegas da empresa que mais pareciam abutres esfomeados por malditos papéizinhos coloridos e é claro, também não era ausente com as putas.
Morreu aos 76, com tanto dinheiro que as notas pareciam sair por sua boca, suas orelhas. Mas perdeu a mulher, o filho, os amigos de verdade... Dizem por ai que enlouqueceu, sozinho, em sua mansão e a morte veio de tanto desgosto que acumulou de si mesmo.

domingo, 22 de agosto de 2010

Os olhos castanhos, escuros feito fuligem se destacavam no rosto pálido, pela falta de sol. A escada daquela igreja imunda era parcialmente iluminada pelas luzes da praça e a pouca luz que chegava até nós, me permitia ver que por trás daquela expressão simples, daquele sorriso amarelo, existia um desespero cravado em seu peito. No modo como alisava o cabelo, no jeito em que comia a pele do canto dos dedos, até quando me abraçava ele estava lá, e começava a sufocar a mim também.
Ela falava muito, mas nada que fizesse meus ouvidos cansarem de ouvir, a unica coisa que me irritava naquele momento era meu silêncio, quase como o de um cadaver que aguarda pacientemente o sepultamento. E talvez seja essa a unica coisa que espero da vida mesmo.
Ela desviou o olhar para a lua, ia falar mais alguma coisa, mas interrompi com os dedos em seus labios.
- Sabe de uma coisa? - perguntei.
- hm? - seu olhar sério e ao mesmo tempo doce, como o de uma criança vinha quente, em direção ao meu.
- Acabei de encontrar o que eu procurava.
- Ah, e o que era? - perguntou ela, sorrindo.
- Olhos castanhos, distantes, que fizessem companhia aos meus.

sábado, 7 de agosto de 2010

Trip

Na verdade, eu não sabia se era o chão que vinha em minha direção ou se era eu que ia em direção a ele. Mas a única certeza que eu tinha confirmou-se após os cinco segundos de queda livre.
- Sabe qual é a diferença entre antes e agora?
- Não, qual é?
- É que agora posso ver no verde claro dos seus olhos, o brilho escuro que levou embora parte de mim.