sábado, 28 de maio de 2011

Cacos

Me dizia Silvana
enquanto se entupia de benzedrina
que as coisas eram tristes
e
as mortes
e
o sol
e
as privadas também eram.

Ela quebrou todas as garrafas vazias
quase que na minha cabeça,
praguejando céu e terra,
formando um mar de cacos em meio ao
bege embolorado das paredes.

E do outro lado da sala,
entre seus risinhos assustadores
e afogados,
Aline vomitava
feliz
as coisas tristes.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Parábola

Apavorava-me ter de ir a festas, encontros ou qualquer coisa que envolvesse mais que cinco pessoas. Apavoravam-me os olhos, as vozes, a respiração cambaleante e cansativa de toda aquela gente ao meu redor. Suas conversas idiotas, suas risadas assustadoras e até mesmo seus fios de cabelo me faziam parecer invisível, um monte de estrume em meio a vacas de um só rebanho. Também odiava apresentações e manter longos diálogos era uma coisa extremamente difícil que eu preferia evitar. Sentia-me inferior aos meus amigos. Todos estavam ali rindo, arrumando garotas, dirigindo seus carros. Todos tão seguros de si mesmos acreditando no futuro, felizes. Essa é a parte que explica o álcool, a química. Embebedava-me tentando me igualar a eles, tentando encarnar aquele momento e absorver aquilo. A bebida me dava uma espécie de outra vida, me fazia soltar sorrisos desenfreados em meio ao esterco. Era como se me elevasse além das nuvens, das estrelas. Quando chegava a casa no outro dia, às duas da tarde e me jogava na cama, sujo e com o fígado querendo sair boca a fora, com a mesma pergunta de sempre batucando em minha cabeça “por que diabos levantei manhã passada? Por quê?”
Havia me acostumado à solidão, como um pássaro de cores pálidas trancafiado numa gaiola do tamanho do mundo. A maior parte do tempo isso não era ruim e eu nem queria me ver fora, o problema estava no que sobrava, na pequena parcela torturante das horas que me cercavam lentamente. Eu só precisava não pensar no filme de terror que estou fadado a viver; uma comedia para os olhos dos outros, principalmente para os que se julgam espertos revolucionários enquanto nadam em dinheiro e futilidade com sua inteligência de acéfalo entre os braços. Só precisava não pensar e conseguiria dormir em paz na minha trincheira de pano e costura.
Às vezes ainda insisto em sentar ao lado do telefone na esperança de ouvi-lo tocar, de sentir qualquer voz doce adentrar meus ouvidos como uma canção de ninar para anjos, mas ele nunca toca. E quando finalmente toca é sempre alguém afiando os dentes, a faca, pronto para me matar outra vez. Palhaçada rapaz, palhaçada. E é só isso que eles sabem.
A voz doce está distante, distante como eu estou agora da janela.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Algo mais sobre coisas na montanha

Existe pelo menos uma centena de pessoas vivendo o mesmo pesadelo com seus calçados encardidos e cantando e esperando a morte dentro de seus carros pretos e brancos e amassados passando todos os dias por essa rua suja e fria, entre a tristeza das casas pequenas e grandes que em silêncio disputam terreno e o pouco de sol que pode chegar aos meus olhos, como uma nevoa amarela e quente que derrete as artérias, o fígado, as vísceras todas. Permaneço estático na varanda imaginando o horror e a feiura de tudo isso. Aquela gente, aqueles olhos e mãos, aquela fumaça infinita envolvendo o rosto, apertando o pescoço como um alicate gigante e tudo mais te cutucando com vozes iguais e famintas. Eu sei que tenho algum problema, alguma falha em olhar para o mundo e nada sentir, além de tristeza e vergonha, mas isso já não me importa.
Sua cabeça não é muito diferente dessa coisa insana e desgovernada em que estamos metidos. Acho mesmo que você viaja demais, tanto quanto eu, que costumo dar voltas ao planeta sem mover as pernas, nem gastar a sola dos sapatos. Quando falo sobre a sua cabeça misteriosa como uma caverna, não é por querer procurar alguma coisa, mas sim me esconder no teu breu e necessitar como ar desse canto confuso sim, mas também bonito que me alivia uma porção de dores e pequenas feridas que se espalham juntas aos ponteiros do relógio, lá no fundo do meu crânio.
Talvez eu seja mesmo um otário, como você tanto gosta de repetir nos seus momentos difíceis em que tento quase sempre sem sucesso, respirar fundo e fechar os olhos. Mas naquele dia, quando me perguntou se eu achava boba toda aquela historia antiga sobre termos uma coisa na montanha e eu disse não, porque no fundo era uma historia sincera de algo que eu realmente queria e o seu sorriso tímido se estampou no rosto rabiscando outra pergunta silenciosa “Mas comigo ainda ou sem?” Já era pra você saber, guria: A montanha sem você, não seria a montanha.