quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Samantha #1

Ela vivia aparecendo por ali. Sempre com o cabelo escuro esvoaçando, boca pálida e lábio inferior rachado no canto direito. A garota vivia olhando para o chão e me encarava quando passava rapidamente pela minha mesa. Eu sabia que ela ia até lá para beber café e chá, talvez comer alguma bolachinha, quando tinha e nada mais. Ela parecia mandar todos os papeis e maquinas e carros à merda, cada vez que esticava uma perna para completar um passo. Depois corria para fora, enquanto meu olhar pesado a acompanhava pelo vidro temperado, até que sumisse na esquina com um cigarro aceso e o vestido preto balançando com o vento. Eu não dava à mínima, quem bancava esse lixo todo eram aqueles estúpidos, eu só queria o meu quarto com minha cama e nuvens pelo teto, enquanto abria uma garrafa para acompanhar os comprimidos.
Meus olhos transbordavam as olheiras pelo rosto e todo dia era tudo igual, a fumaça lá fora, o barulho das impressoras, a cabeça sendo aberta por uma navalha cega. Uma copia dum protótipo de paraíso caído.
Naquele dia, ela movia seu pequeno corpo até a mesinha dos petiscos, quando se defrontou com a cadeira de clientes da minha mesa. Sentou-se com seus grandes olhos que acompanhavam a cor do cabelo. Suas pupilas dilatadas me encaravam como pontas de lança. Tinha um nariz fino e um pouco comprido, era delicado. Coçava uma das orelhas que ficavam escondidas em meio aos fios de cabelo.
- E então, como vai tudo? - Sorria como se fizesse parte de um anuncio de pasta de dentes - Sou Samantha.
- Tudo entupido com porcaria. E você... Samantha?
- Olha cara. Não sei qual é a sua, mas esse lugar não combina nada com você. Queria dizer isso, é.
- Vou me demitir e... cobrir-me de terra.
- Assim, não é um trabalho ruim, apesar de monótono e de muito mal gosto - disse ela, debruçada em uma das mãos - Essa sua mesa aí, marrom claro, com design moderno do mundo que te perdeu há uns três anos. Você sentado nessa cadeira gigantesca e vermelha que perto da sua magreza parece um sofá. Esses montes de papeis e formulários rodeando suas mãos branquelas, esperando que seus dedos pressionem a caneta contra eles, esperando que preencham cada lacuna. Nada disso me parece assustador. Tem até essa maquina aí, pra você batucar essas teclas como um louco imitando um cão enquanto cava a própria cova, porque é pra isso mesmo que servem os dias. E veja sua chefe, tem um grande sorriso quando fala com os clientes mais importantes, "ó madame Denise, sente-se aqui, posso te servir um cafezinho? Que belo colar está usando hoje. Ó senhor Carlos, deixe-me ver o que temos por aqui! Ó!" Aquele batom vinho transbordando dos lábios contrastando com as madeixas loiras e os olhos azuis; muita imponência. Olha como eles devolvem o sorriso e abanam o dinheiro como se estivessem diante de um deus. Sem contar que ela também tem uma bunda apetitosa.
- Bem, nenhuma bunda é tão apetitosa assim quando caga na sua cara.
- É, pode ser... Mas esse lugar não combina nada com você.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Três dias sobre a cama

meu corpo jogado
há três dias
sobre a cama

junto a canção, ela triunfa
como tem de ser
e as moscas fazem companhia

manchas de sangue
enfeitando o lençol e
a parede
e um buraco de três polegadas
na cabeça
parecendo uma maçã
vermelha
do amor

Alguém abre a porta
e depois outro alguém aparece
com os mesmos olhos vendados
com a mesma cara embriagante
rostos iguais
e conhecidos
OH MEU DEUS, eles dizem
e meu corpo treme

um deles corre para o telefone
enquanto minha boca sorri
os barulhos dos passos ecoam
pelo corredor
e
apesar do calor
estou bem
como nunca antes
estive