quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Moedas, chuveiros e manchas de bolor

A moeda rolava entre os dedos ásperos e suados e vez ou outra brilhava com a iluminação tom pastel daquele muquifo, como se tivesse alguma vida para perder, algum sorriso escondido em meio aos traçados do metal, no numero um gasto por infinitas mãos de tamanhos e dimensões diferentes.
- Uma moeda. - Kevin rompeu o silêncio daquele canto mais escuro e escondido do balcão - Uma moeda pra tomar essa porcaria. Um lixo dum pedacinho de ferro. Mijo devia valer mais que isso.
Elias terminava seu segundo copo e amassava o cigarro ainda pela metade no cinzeiro enferrujado enquanto ria. Abriu lentamente a boca espumante e amarelada, como se fosse espirrar.
- E Sarah, pra onde foi?
- Foi embora, como todas se vão.
- É... A segunda em três meses.
- Ela levou o meu chuveiro, aquela puta! Agora tenho que tomar banho com um balde, na pia! Pelo menos Ângela não levou nada.
- Ângela levou uma parte da sua sanidade ou o que restava dela. Agora você está mais fodido do que nunca. - Elias suspirou, enquanto acenava para o pequeno homem de rosto rosado que quase se escondia atrás do balcão.
- Mas o pior é ter que encarar sozinho outra vez aquela mancha de bolor no teto, que mais parece um mapa do triângulo das bermudas. Eu não suporto isso, essa visão todas as manhãs. Tudo bem que a janela consegue ser ainda mais assustadora, mas aquela mancha de bolor, porra, planejamos nossas viajens todas em cima dela. Como se por ali o universo estivesse ao nosso alcance a qualquer hora do dia. Como se fosse um portal de saída do inferno. Agora estou verde e musgoso igual aquele teto.
- Você colocou Sarah naquele quarto logo na primeira semana...
- O que você queria? Ela era mágica.
- Todas são. É por isso que você está aqui agora.
- Sabe, eu devia enfiar essa moeda na testa de Sarah, mas vou enfiar naquela garrafa ali. Foda-se, nunca gostei de moedas.
- Pelo menos ainda tem aquele emprego, pra comprar um chuveiro novo.
- Fui demitido hoje, por negligência.
- Ah merda. Você é uma boa pessoa, Kevin. Uma boa pessoa apesar de tudo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Um troféu que não quero ganhar

a indiferença roendo as unhas
escorregando para baixo dos lençóis
igual a uma sombra
e eles estão esperando
a morte está esperando
o mundo está esperando
um troféu que não quero ganhar.

eu deito olhando para a parede
e as estrelas ficam mais próximas,
enquanto isso
tenho pernas de aranha
e posso caminhar pelo teto,
pelos prédios,
posso correr para o inferno
e voltar

mas não me pergunte sobre objetivos,
não me fale sobre potencial
"oh guilherme, ei guilherme por que não faz isso e aquilo?
o que você quer? assim você não ganha nada!"

não faça isso.

todos por aqui temem o nada
enquanto eu o abraço
com minhas pernas de aranha
e
sou louco e errado por isso
e
sou doente por isso.

oh não, eu não vou deixar nada para o mundo
e isso basta