segunda-feira, 30 de julho de 2012

Um mergulho no breu

existe uma superfície infinita
que bate em mim
com a força de cem punhos
de homens banguelos, bêbados e
insanos, que gritam com o mesmo terror e
silêncio de um vulcão em erupção
existe uma superfície de loucura e de
contas à pagar
bancos
desemprego
fome
filas enormes nos hospitais
no caixa do mercado
dinheiro por comida
roupa
casa
saúde
dinheiro por cagar,
trabalhos horríveis por quantias
de dinheiro mais horríveis ainda
e bocas, muitas bocas trazendo o inferno.
tente encontrar o real significado para
tudo isso e você terminará
tão louco como jamais
foi.

é provável que esse seja o motivo
pelo qual não consigo levar nada adiante,
a não ser uma sucessão inacabável de fracassos e
desinteresses.

tenho assisto aos jogos olímpicos de Londres
como quem tenta escapar do fundo de um balde
transbordando de merda, e isso me tem feito algum bem;
procuro apreciar Londres cinza e chuvosa,
bonita como tem de ser,
também as modalidades e suas disputas com toda a força
que isso possa significar, e a beleza,
especialmente das garotas da ginástica artística com suas séries
e movimentos quase mágicos.
é só quando penso no passado que uma pontada
atravessa o corpo.
as vezes se eu tivesse continuado a nadar - e como eu era bom -
talvez hoje pudesse estar lá
mostrando que em algum lugar de mim ainda existe
uma alma pulsante, pronta para brigar.
quase me arrependo dos doze anos de natação
jogados no lixo, e das tantas outras coisas que joguei e
ainda vou jogar

é só que não tenho sonhos
não consigo sonhar;

mas o mergulho no breu
na falsa superfície do presente,
com as recordações azedas e pontiagudas
pesando feito chumbo,
é o que resta
enquanto luto para não sucumbir em filas de espera,
para não perder os papéis coloridos
antes que seja decretada
a última sentença

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Porque quatro dias é demais

O barulho daquela avenida numa manhã de domingo assim como em todos os outros dias era um tormento, os motores dos carros que passavam pelas duas vias nunca sessavam e apesar da cidade não ser tão grande, era chato. Era como ter uma maquina de engrenagens dentro da cabeça. No caso de Alex, isso já tinha se convertido em algo quase inaudível. Vivia ali desde o nascimento e já não sustentava esperanças de encontrar silêncio naquele lugar, aliás, nem em parte alguma. O homem estava mesmo fadado a conviver com barulho e loucura, seja ele de maquinas, televisores, rádios, animais ou do próprio ser humano e sua boca fedida.
Raios de sol se infiltravam pelas frestas da persiana, iluminando parcialmente o quarto. Marcela já devia estar acordada há umas duas horas, ela sempre acordava primeiro.
- Alex? Tá acordado?
- Hmmm ahn hmmmm
- Al? Já são quase 13:00. Você não vai levantar? Al.. Eu estou enjoada de ficar deitada.
- Pode levantar, pode fazer o que quiser. Você não está amarrada, amor. Mais um pouco e saio da cama...
- Então tudo bem.
Alex soltou um longo suspiro, sem abrir os olhos. Coçou o rosto e virou para o outro lado. Marcela começou a acariciar suas costas, descendo e subindo com o dedo indicador. Depois deu um cutucão, e outro.
- O que é, porra? - Disse Alex - É impossível dormir com você aqui e já se vão TRÊS DIAS E TRÊS NOITES assim. Maldito seja esse feriado prolongado.
- Mas já são quase 13:00. Você dormiu demais. Parece que não sabe pensar em outra coisa. Dorminhoco.
- Pro caralho com isso. Você mal me deixa dormir a noite. E nem por isso eu te acordo quando, no meio da madrugada, começo a sentir um calor do inferno e preciso levantar para não morrer queimado.
- Por que tá falando assim comigo? Não me quer aqui? Há dois dias você estava diferente.
- Olha, você vem e fica sempre dois dias. Quatro dias é demais pra mim. Posso suportar dois, mas quatro é demais.
- Você não me ama mais? Não quer estar comigo?
- Eu posso te amar quando você está de boca fechada. Você fala o tempo todo, minha cabeça, meus ouvidos estão doendo. É demais pedir um pouco de silêncio?
- Eu sou chata?
- Santo Cristo.
- O que foi?
- Não é isso. Você tá parecendo uma parasita. Você me esgota. Sinto-me doente. Eu posso dormir por oitenta e seis dias seguidos, mas se você estiver do meu lado em todos eles, grudada feito uma sanguessuga eu vou sempre estar cansado e acabado. Sem contar essas perguntas infinitas.
- HAHAHAHAHAHA Exagerado. Aliás, você arrumou o carro? Queria dar uma volta...
- Estou falando sério. Não se faça de desentendida.
- Qual o problema? Meu aniversário está chegando e...
Alex levantou, procurou a cueca no meio do lençol, vestiu-a e foi até a cozinha. Abriu uma cerveja, pegou a frigideira. Uma mancha negra e grudenta se formava bem no meio dela, parecia mais um tumor. Jogou óleo por cima da mancha, colocou no fogo a frigideira e quebrou um ovo dentro. Marcela veio do quarto e sentou à mesa.
- Tô cansada. - ela disse
- Só pode ser piada...
- Não, acho que é fome.
- Marcela, você não gosta de nada que tem aqui. Não gosta de ovos, não gosta de frutas e nem das bolachas que estão no armário. Nada serve pra você.
- Idiota.
- Pega uma cerveja. Depois vamos ao mercado.
- Não quero mais saber.
- Ok. Foda-se.
- Eu vou embora.
- Vá. Você está dois dias atrasada.
Marcela fechou a cara, correu para o quarto. Dava para ouvi-la juntando suas coisas, vestindo a roupa enquanto balbuciava alguns insultos. O estalo que fazia a velha maçaneta da porta principal ecoou pela casa.
- SEU FILHO DUMA PUTA! ESPERO QUE VOCÊ SUBA SONAMBULO NO TELHADO, CAIA E QUEBRE TODOS OS OSSOS E MORRA! - Ela gritou, e bateu a porta.
Alex terminou a cerveja, comeu o ovo frito e voltou a dormir. Nada se comparava à tranquilidade de estar só, em meio aos motores na avenida. A própria respiração servindo de companhia, flutuando em meio à luz solar fosca que iluminava o quarto.
O romance se arrastou por mais duas semanas, mas só nos sábados e domingos.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Epílogo

Não é de hoje, não é novidade. O que eu tiro daqui é só cansaço, é apenas uma coisa que vem e volta com o tempo, com o clima e o ar, no cheiro do orvalho em meio ao odor cinza da cidade ou no oco do silêncio dessa madrugada crua e insone. Também não é tristeza da mais pura, não. Longe disso. É só essa ideia que parece uma faca afiada e certeira, dando pontadas na boca do estômago. Hoje até meu travesseiro é uma navalha. Eu encosto a cabeça e sinto o couro rasgando por dentro e por fora, mas isso nem importa tanto, já que há tempos carrego um peso extra pra dormir. Acho que o pior peso de todos é acordar e antes mesmo de sair da cama, já mergulhar de cabeça nessa piscina vazia que é a rotina incrustada nos dias. Isso é sair da cama, vestir-se, correr para o trabalho que você odeia ou finge gostar, receber uma merda dum dinheiro a cada mês e aguentar conversa batida dos colegas durante seis ou mais horas a cada dia. Achar tempo para os amigos. Ir ao mercado, rechear de porcaria o carrinho. Fazer turismo na TV mudando freneticamente os canais. Comprar roupa nova, celular novo, carro novo quando der. Tirar satisfação desse monte de lixo comprado que a gente na verdade mal precisa. Limpar a casa. Ir ao médico, dentista. Atender telefone, mandar sms ilimitada por causa do plano que você fez com a operadora. Ir ao banco pagar a fatura do cartão, as contas da casa e impostos. Fila nisso, fila nos mercados, nos cinemas, nos aeroportos. Intermináveis salas de espera. Pedágio na estrada. Pegar transito no frio, no calor, na puta que pariu. Às vezes transar pra pensar que tem uma válvula de escape. Até dormir demais cai na rotina. O lado bom é que dormindo a gente nem percebe. Isso, dia após dia após dia. Mas tudo bem, a gente se acostuma, e acostumar-se a tal coisa também é rotina. A vida é pura adaptação, tem quem diga. E de certa forma, já estou mesmo adaptado. O problema na verdade nem é tanto esse monte de coisas que estão aí, pra ficar. Não é essa ilha tão grande que a gente tem que percorrer, dando voltas. O problema é só ausência.
Sabe que outro dia sonhei que estava morando em Barcelona e as coisas estavam indo realmente bem, era aquele inverno gostoso de fim de ano e eu encontrava você, assim ao acaso, caminhando pelas Ramblas no meio de todos aqueles cafés e lojas de pequenos souvenires e estátuas humanas excêntricas. Os mesmos olhos castanhos, bem escuros e críticos e os passos leves, que vinham como uma neblina pronta para me abraçar. Acordei enquanto inclinava-me para jogar uma moeda para uma das estátuas, e quando olhei para o relógio no criado mudo, percebi que só tinha dormido três horas. Grande merda o sono, nessa altura a única coisa que eu podia fazer era calçar os chinelos e dar uma espiada no quintal. Fumar um cigarro, pegar algum livro do meu escritor favorito. Ficar ali, uma ou duas horas, junto com a minha cretinice. É assim que venho parar aqui, com uma carta na mão, um texto, qualquer merda dessas que nunca vão sair do lugar.
Ah, pequena. Podemos remar em correntezas diferentes, mas só queria dizer que sinto falta da alegria irresponsável que eu tinha com você; até mesmo dos relâmpagos que por vezes, muitas vezes, saltavam entre as falhas. Eles também foram esplêndidos.