segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Algo sobre como as coisas ficam insanas no natal



É 24 de dezembro, 3:47 da manhã, madrugada da véspera de natal. Tudo parece silencioso nas ruas. A loucura está chegando ao fim. A correria para comprar o peru, os assados, castanhas, as frutas de todos os tipos e cores e as uvas passas, as malditas uvas passas. As pessoas pararam de arrastar suas crianças pelas calçadas, finalizaram as buscas frenéticas e furiosas por presentes e merdas. Agora dormem em suas casas, entre pisca-piscas irritantes e bolas coloridas penduradas em arvores de plástico, esperando alucinadas pelo natal enquanto Victor detona uma garrafa de vinho e tem um bom sexo reconciliatório com Diana. 
Ela está por cima enquanto ele concentra o olhar em seus seios. Ela arrasta as unhas por seu peito, em meio aos pelos e diz “Monstro. Você é meu monstro.” O celular no criado mudo começa a tocar, a chamada vai até o fim e o toque cessa. Agora ele carrega Diana para baixo e começa a trabalhar mais rápido, uma gota de suor escorre pela têmpora direita dele e pinga entre os seios dela, a gota percorre todo aquele vale branco e mergulha no umbigo. Os dois gozam. Ele rola para um lado e Diana levanta, puxa o maço de cigarros de dentro da bolsa e vai ao banheiro. O celular toca outra vez. Número desconhecido. Victor atende. 
- Alô?
- Ela está aí com você, não é?  - A voz de Eva vaza pelo aparelho.
- Eu não disse para você parar de me ligar?
- Está ou não?
- Não. Estou dormindo. Deixe-me dormir.
- Estou indo aí.
- NÃO VENHA. VOCÊ NÃO TEM ESSE DIREITO. 
- Ela está aí. Eu sabia seu filho da puta.
- Eva, nós terminamos. Você precisa se afastar de mim, tomar um tempo só seu, ou isso vai te deixar doente.
- Você me prometeu que nunca voltaria pra ela. Você disse isso. 
- Escuta Eva, é melhor você ir dormir. São quase quatro da manhã...
- O que eu vou fazer sem você, Victor?
- Vai viver sua vida. Vai encontrar outro otário. Vai continuar fazendo o que você sempre fez. 
- OTÁRIO OTÁRIO OTÁRIO – ela grita - você adora essa palavra. Deve me achar uma otária também. O que você pensa seu cretino? Você acha que é uma espécie de gênio?  VOCÊ ACHA QUE É DEUS? QUE TODO MUNDO É OTÁRIO, MENOS VOCÊ?
- Eva, você está bêbada? 
- Eu vou me matar, ouviu bem? Vou matar meus cachorros, meu canário e depois me matar. E a culpa é sua. Você vai lembrar disso todo final de ano, nunca vai me esquecer. – Ela desliga
Diana sai do banheiro, jogando a longa cabeleira cor de caramelo para trás com as mãos.  O cigarro preso entre os lábios. Victor está sentado na beirada da cama, ainda segurando o celular.
- Quem era ligando tão tarde? – Diana quer saber
- Eva está bêbada. Disse-me coisas horríveis. Falou que ia matar os cachorros, o canário e depois se mataria. 
- Não é melhor ligar e falar com ela direito? 
- Já tentei, ela não vai me atender.
- Então é melhor ir até lá.
- Não. Ela não vai fazer nada, não tem colhões. 
- Bem, vou preparar um chá para relaxarmos. – ela joga o que resta do cigarro dentro da garrafa vazia ao pé da cama.
- Boa ideia. Depois dessa crise, seria mesmo bom.
Victor caminha até o banheiro e puxa uma revista de uma cesta que fica ao lado da pia. Levanta a tampa da privada e senta. Começa a ler uma matéria sobre submarinos clandestinos que transportam drogas, fabricados nos confins da floresta amazônica pela As FARC. Diana faz barulho na cozinha, parece que matou uma barata. O celular volta a tocar. Ele levanta da privada e corre atender. 
- Ainda não me matei. – Eva diz
- Estou vendo. Se tivesse se matado eu teria terminado minha cagada.
- Eu pensei que você estava fodendo com aquela outra, por isso liguei.
- Eva, concentre-se na sua vida. Você vai conseguir.
- Estava pensando em me matar, mas não há mais o que matar. VOCÊ MATOU TUDO O QUE EU PODIA MATAR EM MIM.
- Você ainda está bebendo?
Diana aparece na porta do quarto com duas canecas de chá. Atravessa o cômodo, os seios firmes apontando em direção a Victor. Ela sussurra “Então, é ela de novo?” Victor assente com a cabeça.
- Eu cheguei a pensar que você era diferente, Victor. Mas você é igual aos outros. Por que você fez isso comigo?
- É isso que os seres humanos fazem uns aos outros... É natural as coisas acabarem, entende?
Victor escuta um barulho do outro lado. Eva deve ter derrubado alguma coisa. Uma garrafa, talvez. Ela desliga.
Ele volta ao banheiro, recoloca-se na privada. Diana deixa uma das canecas em cima do criado mudo e da pequenos goles na outra. Acomoda-se na cama, encosta na cabeceira e cruza as pernas.  Victor termina o serviço no banheiro e volta para o quarto. 
- Falei com Vilma. Vamos até lá por volta das seis da tarde, para ajudar a arrumar as coisas. Ela disse que Todd não vê a hora de te mostrar sua nova espingarda. – Diana diz com uma voz mansa. 
- Odeio essa época do ano. Feliz natal? Feliz ano novo? Foda-se.
- Você odeia todas as coisas. Por isso é meu monstro. 
- Diana, podemos passar esse tormento de natal em casa. Terminamos os vinhos e fodemos e jogamos cartas... O que me diz?
- Não. Já está tudo combinado.
- Vilma tem um presépio gigante no quintal. Presépios me assustam.
- Lembra ano retrasado, Victor? Todd, bêbado, abateu um dos três reis magos com uma de suas espingardas, Vilma ficou furiosa. Agora são apenas dois.
- Ele devia é abater o presépio inteiro. Libertar a casa daquela coisa assustadora. 
- Bom, temos que estar lá às seis da tarde.
- Eu não sei se vou conseguir dormir, sabendo de toda essa loucura ao meu redor.  Se eu não conseguir dormir, não vou suportar. 
O celular toca pela quarta vez, Diana estica um dos braços e apanha o aparelho jogado na cama. 
- Número desconhecido. – ela diz
- De novo?
Victor atende. Ele faz algumas caras de espanto, passa uma das mãos sobre a cabeça. Eva havia começado um discurso interminável, ele quase não consegue uma brecha para falar.
- Eva... Estou ligando para sua mãe!
Eva desliga. 
- Santo deus! 
- O que aconteceu? – pergunta Diana.
- Ela disse que falou com Tommy. Que ele vai leva-la a Paris e que a ama de verdade
- Oh, isso não é ótimo?
- Seria, se Tommy não fosse um maldito urso de pelúcia de vinte e sete anos. E ela disse mais, falou que vai mandar flores francesas para o meu velório, quando você me matar.
- Nossa. E depois eu é que sou a louca.
- Mas você já me ameaçou com uma faca duas vezes. Na segunda abriu um rasgo no meu braço. Treze pontos... Lembra? 
- Eu e ela certamente somos muito diferentes. 
- Com certeza...
- Me diz, vai mesmo ligar pra mãe dela?
- É claro que não, Eva tem trinta e dois anos. Amanhã nem vai lembrar que isso aconteceu.  
Os dois terminaram o chá, apagaram a luz e deitaram. Victor envolveu Diana nos braços. Os corpos ainda suados se mesclavam sobre o colchão. Ficaram em silêncio durante quinze minutos.
- Diana? – ele sussurrou em meio ao breu silencioso do quarto.
- O que é?
- Eu não te disse quando estávamos no mercado? As pessoas ficam muito perigosas nessa época do ano. Completamente insanas...
Ele sentiu Diana suspirar. Ela ficou imóvel como uma pedra, imersa em sono profundo. Victor fechou os olhos. Pensou consigo mesmo, “o que diabos é isso que os seres humanos vivem fazendo a si mesmos e aos outros?” Uma hora depois, dormiu sem respostas.