sábado, 6 de dezembro de 2014

Leme, dezembro de 2014

Me perdoe.
Preciso chafurdar a cabeça nisso tudo por uma última vez, antes que o ano vire. É a ânsia de desafogar (porque calei demais pra te ouvir) que me faz perder alguns minutos da minha noite de sono com essas palavras que vieram um pouco tarde. O fato é - se você está lendo isso agora - é porque esqueceu alguma coisa (me pergunto o que dessa vez) da mesma forma que eu esqueci. Mas não se preocupe, não vou estender o assunto, que já é muito batido pra se perder mais do que dez minutos de reflexão. As coisas se tornam muito breves depois de tantas despedidas tortas.

Naquele tempo eu só queria ser legal, mas era imbecil demais pra conseguir fugir das suas palavras secas. E eu bebia. Bebia muito.

Eu gostava dos seus olhos, porque eles eram mais escuros que os meus e tinham um quê de abismo. E meu passatempo preferido era mergulhar em abismos. Me jogava em queda livre, engolia bosta de urubu e tomava muito vento na cara, mas eu não tava nem aí porque eu era otário e bebia. Bebia muito.

Talvez tenha sido exatamente por culpa do meu mundo ébrio que nunca entendi muito bem suas idas e vindas. Não que você tenha tentado explicar. A ideia era plantar o peso das suas dúvidas nas minhas costas mesmo, eu acho. E funcionava. Eu rolava minha montanha imaginaria abaixo, batendo em árvore e pedra. Eu ficava feliz, mas devia correr e não corria. Eu esperava pra despencar quantas vezes fossem necessárias.

Não da pra dizer que as coisas com você não foram marcantes. Esse nosso último encontro em janeiro, era pra que mesmo? Como me acompanharam essas marcas. E elas ainda acompanharão. Você disse que sempre lembraria de mim quando ouvisse O Teatro dos Vampiros. Eu também tenho tralhas pra lembrar de você.

Outro dia, em dois mil e dez, queria te mandar uma carta. Qualquer besteira dessas pra se ter numa gaveta... Século XXI, eu sei, eu não devia me espantar por você achar uma chatice. Eu, que busco inspiração em todos esses escritores velhos e decadentes e prefiro a paz dos cemitérios e você toda moderna em meio aos arranha-céus e luzes mortas de TV. Talvez eu seja um porra de um atrasado mesmo, vai saber, as vezes só tô perdido nesse século lixo, mas quem não gosta de ter algo assim pra guardar, ou pra tacar fogo, que seja? Mas eu não sabia que, como foi mesmo que você disse?

"Carta é coisa de viado."

Você me disse que carta é coisa de viado. E eu inventei qualquer assunto pra disfarçar minha cara de frustração e tentar te agradar com qualquer coisa que não fosse uma maldita carta. Não funcionou. Nunca funcionaria.

E eu sumi por aquele portão de embarque porque as coisas eram confusas, confusão era seu sobrenome e ali eu tinha a chance de chutar tudo pro inferno, precisava escapar de alguma forma. Antes mesmo de te contar que viajaria, e aguentar aquele seu ataque de sei lá o que e todo aquele discurso de "eu vou no aeroporto me despedir" (você ama despedidas né? Toda aquela coisa cinematográfica hollywoodiana e o caralho. Pelo menos isso deu pra sacar em todos esses anos.) e seu primeiro sumiço, eu tava morrendo pra te ver de novo. Eu te contei e você perguntou:

"Afinal, o que você espera de mim?"

Nesse instante eu resolvi partir.
Mas podia ter respondido alguma coisa inteligente, só que meu cérebro virou do avesso com a bofetada. E ficou por isso mesmo, perdi a fala. Eu sempre perdia a fala. (Na última vez que nos vimos não foi diferente. Eu tinha um oceano de coisas pra te dizer, mas afoguei, e foi feio. Mas essa é uma outra parte - repetida - da história que não convém registrar agora.) No fim você seguiu seu rumo e eu fingi que segui o meu. Aqui eu ainda não sabia que essa coisa ia virar um hábito, só queria voar por cima do atlântico e achar meu espaço no mundo. 

Então no ano seguinte eu estava instalado em Lisboa, ou melhor, eu tava fodido em Lisboa porque te amava. E assim enterrei minha viagem. Me enganava com um trabalho ali na biblioteca em Cascais, outro na serra de Sintra, no meio do mato. Mas eu tava mesmo fodido, vomitando poemas e ressaca.

Quando não perambulava pelos inúmeros sebos procurando raridades nem tão raras assim, passava horas andando por aquelas ruas muito antigas, repletas de lojas de suvenires para turistas, daqueles chineses loucos trabalhando feito locomotivas a vapor. Costumava olhar para os postais, tentava adivinhar qual deles você gostaria mais e aí não tardava para o "carta é coisa de viado" aterrissar na minha cabeça e eu desistia da ideia.
Não tava difícil pra cair na real. Você era uma mulher pequena, cercada de coisas pequenas numa cidade grande. Eu não fazia parte desse mundo. Jamais nos adaptaríamos e é por isso que nunca daríamos certo. Mas eu tava enlouquecendo.

Eu passava tempo demais bêbado e tinha um fantasma morando na minha cabeça. Eu inventei você. Eu precisava me tratar. 

E parar de beber.

Agora sei. As coisas estão seguindo o curso certo e o ponto zero desse saber foi janeiro desse ano.
Espero que tenha sido o mesmo para você.

Um abraço,
Diego.