sábado, 6 de maio de 2023

O que resta?

não há psiquiatria, 

bebida ou 

abstinência;

não há cura.


está tudo

nos cantos escuros da alma,

está tudo

em cada esquina suja

do passado


o que ficou para trás,

sepultado na eternidade,

vive inteiro no agora e

também viverá no amanhã.


passaram-se os anos

e nada passou. 


não passou

nada mais importa

não passou, 

eu perdi. 

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Possession

"I can't exist by myself because I'm afraid of myself, because I'm the maker of my own evil." 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Mais uma vez esse velho algo novo

têm aparência de putrefação,

os dias, as horas,

a rua.

e os minutos vividos são

todos

trágicos equívocos.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Mês passado fez três anos que não enlouqueço

Não que eu tenha me tornado uma pessoa normal, dessas que estão aos montes por aí, todos os dias em suas rotinas chatas, servindo o estado, mastigando as doenças do cotidiano e trocando cusparadas. Não que eu tenha me esquecido dos caídos, dos pisados. Também não aceitei cabrestos, nem permiti que me forçassem a nada que ferisse minha liberdade.

É só uma sensação de poder caminhar sem muletas, nem refúgios, que transborda depois de muito tempo trancafiada em qualquer lugar pequeno o bastante para quase desaparecer; para quase me matar. É só sede de ser livre.  

São três anos sem ressacas. Três anos que não fujo, nem ouço falar no amor que deu errado, no dialogo que deu errado, no trabalho que deu errado, na vontade que morreu, na vida que fracassou. Três anos que não tenho tenebrosas crises de ansiedade que me faziam vomitar e passar noites em claro, sentindo a sensação das agulhas enterrando no peito de dentro pra fora, pensando em como todas as saídas de emergência estavam distantes e fechadas para mim. Três anos que não caio pelos becos, procurando qualquer alento falso e destrutivo que me tirasse a noção dos dias que ainda me restavam. Três anos que não dou um murro em um amigo, ou em paredes.  

Três anos
que não enlouqueço. 


sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A maior árvore do bairro

foi um dia triste
o dia em que cortaram a
maior árvore do bairro;
costumava brincar ao redor dela e
a considerava imortal, porque ela tinha
uma aparência muito antiga e um tronco bastante largo

era domingo e acordei cedo, como de costume.
eu era criança e julgava o tempo
uma coisa valiosa demais para
se gastar dormindo

dormir era coisa de adultos afinal,
porque eles eram chatos e
passavam horas preocupados com
coisas chatas, coisas que não tinham sentido algum

mas nessa manhã, os adultos da casa e
provavelmente os do  resto do quarteirão também,
tinham levantado primeiro

havia um barulho de motosserra pairando no ar
que despertou a vizinhança
ele atravessava com violência
as paredes e as janelas da casa

vrééééééé
vrééééééé
vrééééééé

ouvi minha mãe falar com minha avó
"eles vão mesmo construir o prédio"
ela disse

então olhei pela janela da cozinha
de onde antes podíamos ver a árvore esbanjando vida, mas
agora ela estava tombando bem em câmera lenta,
morta

lembro-me de ter sentido um calafrio
que percorreu a espinha e
nesse dia eu quis voltar a dormir
pra, quem sabe, acordar outra vez
olhar pela janela e ver que a árvore tava lá
inteira

eu ainda nem tinha crescido o suficiente
para abraça-la, coisa frustrante, porque
eu achava que ela merecia um abraço

e os dias caminharam rapidamente a partir daí
caminhões, maquinários e caçambas de entulho
circulavam aos montes pela rua
e também havia os caras da construção civil
com seus capacetes laranjas;
eu os via como inimigos, e só mais tarde entendi
que também eram vitimas.

o prédio foi erguido na velocidade
de um relâmpago
e dava pra escutar os vizinhos falando que
aquilo ia ser bom pra cidade
que aquela coisa era "o primeiro de muitos"

eu já tinha visto as cidades maiores na tv
tão atulhadas por esses caixotes de concreto
que até as pessoas pareciam inexpressivas e sem vida
correndo como robôs nas linhas do metrô ou
presas em seus carros com ar condicionado
porque o calor  já se fazia insuportável.

toda essa ideia me assustava cada vez mais e
levei mais alguns anos para digerir que isso se dava
porque eu tava crescendo e tinha acabado de entender que
a Terra tava perdendo a vida para os próprios habitantes

o que eu não sabia, é que tudo isso
era só o começo
de uma sequencia enorme
de tragédias.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015


Leme, 20 de outubro de 2015

Hoje estive brincando com a gaita cor prata que você me deu quando eu ainda era muito pequeno, ela é do  tempo em que você fazia aquela brincadeira com o dedão como se o estivesse arrancando e eu ficava alucinado tentando entender qual era a física por trás daquilo. Eu jamais entendia e você me abraçava rindo.
Aquele tempo era outro tempo e eu na qualidade de criança, sabia pouco dos reais problemas mundanos. Sabia pouco da morte e menos ainda da separação dos meus pais (sabia que eu morava com a minha mãe e era isso). Eu não vivi esse momento (tinha um ano e pouco quando aconteceu, creio) e portanto não lembro de nada. Crescer entre duas famílias sempre foi normal para mim, principalmente porque ambas são boas demais para se deixar de lado.
Eu gostava de passar aqueles dias na sua casa mesmo com meu pai estando longe, nos Estados Unidos. Dormir com vocês no quarto e a vó exagerando nos doces e me cobrindo de mimos eram coisas das melhores do mundo. Eu era um pouco tímido quando chegava, mas logo esquecia a timidez e começa a correr pela casa, entre seus sorrisos, brincado com as cachorras (Bô, Xuxa e Lu) como se tivesse nascido ali. Tudo isso era tão bom e passou tão rápido, como um forte raio. Um raio que fez algo estranho comigo, no lugar do choque mortal.  
É muito fácil culpar depressão e álcool por todo o lixo que fiz em minha vida durante os anos de meia ausência e decepções (eu decepcionei muito a mim mesmo), mas essa não é uma justificativa plausível. Eu causei isso e essa é uma certeza inexorável que vai viver dentro de mim.
Mas quando foi que eu me esqueci de você, vô? Quando foi que me esqueci que um dia você me ensinaria a tocar essa gaita? Passei esses dias me perguntando, pois fiquei com essa sensação horrível que pesa uma tonelada aqui dentro.
Parece que abandonei vocês durante tanto tempo, parece que estive em coma durante mil anos. Parece que perdi inúmeras boas conversas, sabedoria, conselhos, abraços. E agora perdi você, vô. Assim, bem quando eu começava a sentir a infância de volta (um pouco mais madura, é claro). Bem quando começávamos a sofrer juntos nos jogos do Palmeiras. Ah, como eu queria assistir mais jogos com você. Como eu queria que você me ensinasse a tocar essa gaita. Como eu queria dividir com você os problemas pelos quais eu passava e ainda passarei, porque a vida é problemática assim mesmo. Mas eu demorei demais, vô... Eu me sinto mesmo um verdadeiro imbecil as vezes.
Em janeiro fará dois anos que parei de beber. E eu posso me orgulhar porque você me viu parar. Desculpe aquela discussão completamente desnecessária e sem sentido algum que tivemos um dia em que eu estava meio bêbado (você sabe do que estou falando). Desculpe pela minha ausência que hoje tanto me fere, pois eu ainda estou tentando me perdoar.  
Fique bem, onde quer que você esteja. E um dia, em outra vida ou outra dimensão nos encontraremos para por em dia todas essas coisas valiosas que perdi, porque assim há de ser. 
Eternas saudades de você, que foi tão valente enfrentando essa doença. 

Do seu neto,
Diego.