quarta-feira, 21 de outubro de 2015


Leme, 20 de outubro de 2015

Hoje estive brincando com a gaita cor prata que você me deu quando eu ainda era muito pequeno, ela é do  tempo em que você fazia aquela brincadeira com o dedão como se o estivesse arrancando e eu ficava alucinado tentando entender qual era a física por trás daquilo. Eu jamais entendia e você me abraçava rindo.
Aquele tempo era outro tempo e eu na qualidade de criança, sabia pouco dos reais problemas mundanos. Sabia pouco da morte e menos ainda da separação dos meus pais (sabia que eu morava com a minha mãe e era isso). Eu não vivi esse momento (tinha um ano e pouco quando aconteceu, creio) e portanto não lembro de nada. Crescer entre duas famílias sempre foi normal para mim, principalmente porque ambas são boas demais para se deixar de lado.
Eu gostava de passar aqueles dias na sua casa mesmo com meu pai estando longe, nos Estados Unidos. Dormir com vocês no quarto e a vó exagerando nos doces e me cobrindo de mimos eram coisas das melhores do mundo. Eu era um pouco tímido quando chegava, mas logo esquecia a timidez e começa a correr pela casa, entre seus sorrisos, brincado com as cachorras (Bô, Xuxa e Lu) como se tivesse nascido ali. Tudo isso era tão bom e passou tão rápido, como um forte raio. Um raio que fez algo estranho comigo, no lugar do choque mortal.  
É muito fácil culpar depressão e álcool por todo o lixo que fiz em minha vida durante os anos de meia ausência e decepções (eu decepcionei muito a mim mesmo), mas essa não é uma justificativa plausível. Eu causei isso e essa é uma certeza inexorável que vai viver dentro de mim.
Mas quando foi que eu me esqueci de você, vô? Quando foi que me esqueci que um dia você me ensinaria a tocar essa gaita? Passei esses dias me perguntando, pois fiquei com essa sensação horrível que pesa uma tonelada aqui dentro.
Parece que abandonei vocês durante tanto tempo, parece que estive em coma durante mil anos. Parece que perdi inúmeras boas conversas, sabedoria, conselhos, abraços. E agora perdi você, vô. Assim, bem quando eu começava a sentir a infância de volta (um pouco mais madura, é claro). Bem quando começávamos a sofrer juntos nos jogos do Palmeiras. Ah, como eu queria assistir mais jogos com você. Como eu queria que você me ensinasse a tocar essa gaita. Como eu queria dividir com você os problemas pelos quais eu passava e ainda passarei, porque a vida é problemática assim mesmo. Mas eu demorei demais, vô... Eu me sinto mesmo um verdadeiro imbecil as vezes.
Em janeiro fará dois anos que parei de beber. E eu posso me orgulhar porque você me viu parar. Desculpe aquela discussão completamente desnecessária e sem sentido algum que tivemos um dia em que eu estava meio bêbado (você sabe do que estou falando). Desculpe pela minha ausência que hoje tanto me fere, pois eu ainda estou tentando me perdoar.  
Fique bem, onde quer que você esteja. E um dia, em outra vida ou outra dimensão nos encontraremos para por em dia todas essas coisas valiosas que perdi, porque assim há de ser. 
Eternas saudades de você, que foi tão valente enfrentando essa doença. 

Do seu neto,
Diego.