sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A maior árvore do bairro

foi um dia triste
o dia em que cortaram a
maior árvore do bairro;
costumava brincar ao redor dela e
a considerava imortal, porque ela tinha
uma aparência muito antiga e um tronco bastante largo

era domingo e acordei cedo, como de costume.
eu era criança e julgava o tempo
uma coisa valiosa demais para
se gastar dormindo

dormir era coisa de adultos afinal,
porque eles eram chatos e
passavam horas preocupados com
coisas chatas, coisas que não tinham sentido algum

mas nessa manhã, os adultos da casa e
provavelmente os do  resto do quarteirão também,
tinham levantado primeiro

havia um barulho de motosserra pairando no ar
que despertou a vizinhança
ele atravessava com violência
as paredes e as janelas da casa

vrééééééé
vrééééééé
vrééééééé

ouvi minha mãe falar com minha avó
"eles vão mesmo construir o prédio"
ela disse

então olhei pela janela da cozinha
de onde antes podíamos ver a árvore esbanjando vida, mas
agora ela estava tombando bem em câmera lenta,
morta

lembro-me de ter sentido um calafrio
que percorreu a espinha e
nesse dia eu quis voltar a dormir
pra, quem sabe, acordar outra vez
olhar pela janela e ver que a árvore tava lá
inteira

eu ainda nem tinha crescido o suficiente
para abraça-la, coisa frustrante, porque
eu achava que ela merecia um abraço

e os dias caminharam rapidamente a partir daí
caminhões, maquinários e caçambas de entulho
circulavam aos montes pela rua
e também havia os caras da construção civil
com seus capacetes laranjas;
eu os via como inimigos, e só mais tarde entendi
que também eram vitimas.

o prédio foi erguido na velocidade
de um relâmpago
e dava pra escutar os vizinhos falando que
aquilo ia ser bom pra cidade
que aquela coisa era "o primeiro de muitos"

eu já tinha visto as cidades maiores na tv
tão atulhadas por esses caixotes de concreto
que até as pessoas pareciam inexpressivas e sem vida
correndo como robôs nas linhas do metrô ou
presas em seus carros com ar condicionado
porque o calor  já se fazia insuportável.

toda essa ideia me assustava cada vez mais e
levei mais alguns anos para digerir que isso se dava
porque eu tava crescendo e tinha acabado de entender que
a Terra tava perdendo a vida para os próprios habitantes

o que eu não sabia, é que tudo isso
era só o começo
de uma sequencia enorme
de tragédias.