sexta-feira, 30 de julho de 2010

Na cozinha, a louça ainda por lavar denunciava meu estado de inércia. Chovia muito e através do teto amarelado pela nicotina, eu ouvia os pingos de encontro com as telhas, e o barulho da agua escorrendo pela calha. Sempre achei fascinante o barulho da chuva, viajava por entre as gotas, imaginando ser uma. Queda livre alucinante, visão aérea do planeta e todos os seus lixos e belezas, o barulho do vento condensado com a velocidade cantando no ouvido e por fim, dissipar-se com o impacto feroz do corpo no chão ou qualquer outra superfície. Se os pingos de chuva tivessem vida, essa devia ser a sensação e pensando bem, nada mal seria ser um deles.
Na parede do quarto, o quadro que eu ganhei do Lipe, torto e empoeirado as vezes desviava meu olhar fixo no teto. A pintura é magnifica, um prédio esverdeado de limbo é a paisagem, em um de seus andares encontra-se um cara debruçado na varanda de seu apartamento, segurando uma garrafa de cerveja. Quando nos aproximamos do quadro podemos notar a expressão saturada do rapaz, cansado da rotina em que estamos condenados a levar, provavelmente. Ao lado da cama, o criado mudo sustenta alguns livros, que ainda não terminei de ler, o celular dormente ha dias e uma foto velha dos amigos reunidos, para recordar um passado agradável.
A campainha tocava em intervalos de 50 segundos contados. "Não vou levantar porra, desista" pensava comigo.
A campainha tocou mais duas vezes e logo o celular. "Merda, era só o que me faltava" falei para mim mesmo em tom de reprovação. Estiquei o braço para pega-lo.
- Filho da puta, você não vai atender a porta não?
Pensei rápido antes de responder e em pé, indo em direção a porta da rua, digo calmamente.
- Isabela, eu amo o seu nervosismo
- Então abre a porta, ?
Ela estava encharcada, tremia de frio. Não via a umas duas semanas, quase três. Ela ficou realmente irritada com a nossa ultima conversa.
- Entra, vou te arrumar uma toalha e alguma coisa seca pra vestir.
- Obrigada, senhor gentileza - respondeu ironicamente.
Ela foi ao banheiro para se secar e vestir a roupa, bem, o pijama que eu arrumei. Apareceu na sala minutos depois, com seu negro cabelo todo bagunçado e o pijama largo para ela, no corpo.
Eu a esperava com um café quente sobre a mesinha. Apesar das circunstancias, ela continuava bela, sua simplicidade, tanto de traços, quanto de genio acrescentam algo a mais em sua beleza.
- O que você tava fazendo que não ia atender a porta? - perguntou me encarando nos olhos.
- Estava morrendo, Isabela, morrendo.
- Ah, você ta sempre morrendo... acostumei.
- Isso é bom para o nosso relacionamento - Ironizei.
- Vai a merda cara.
- Olha bem ao seu redor...
- Vai começar então?
- Não, comecei faz tempo.
- Ta ficando insuportável conversar com você, sabia?
- Eu sou insuportável...
Ela bebia o café, enquanto eu começava com os meus lamentos corriqueiros. Estava claro pra mim que Isabela me passava conforto, seu jeito debochado e sua personalidade forte me encantavam cada vez mais. Isso ficou mais forte quando ela me interrompeu com um abraço e falou baixo em meu ouvido.
- Escuta aqui, existe muita gente podre por ai e você não é uma delas.
- Não é só a gente podre que me incomoda, mas também o que apodreceu elas - fiz uma pausa para respirar fundo - esse moralismo falsificado que apresentam em todo lugar fode o futuro, é por isso que não vou ter um filho, não quero que caguem na cabeça dele.
Ela penas riu, como se aquilo tudo fosse uma grande piada. E realmente é tudo uma grande piada nos dias de hoje.
- Sabe, você não ta errado, mas se maltratar assim do jeito que você faz também não ta certo...
Discutir essas coisas com ela era uma besteira, aprendi isso devido aos nosso históricos de conversas. Hoje, não quero brigar.
Com a mão em seu queixo, levantei lentamente seu rosto, os lábios de Isabela ainda meio roxos por causa do frio me chamavam com um silencio e uma intensidade monstruosa. O beijo fez o calor correr por todas as veias do corpo. Me deixei levar por minha fraqueza, ela sempre invade meu mundo sem pedir permissão. Me puxou para o quarto, e eu, ferido de alguma forma apenas disse "Fica essa noite".
Ela respondeu com um sorriso. E despida, deitou.
A imagem de Isabela nua em minha cama teve um significado maior do que o de uma mulher nua na cama. Ela era o tudo e o nada misturados com a chuva.
É segredo, mas a solidão em que me meti, me mata a cada segundo que aquele ponteiro fino do relogio marca.

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