sábado, 16 de outubro de 2010

Acordei com o zunir da mosca que voava em círculos sobre meu rosto. Olhei ao redor, estava jogado em um canto da sala. Aquele aposento marcado por inúmeras sentenças cruéis decretadas por mim a mim mesmo em noites de bebedeiras e indagações mentirosamente verdadeiras cada vez mais parecia me acomodar para uma morte bem-vinda. Um feixe de luz entrava leviano por uma fresta da janela, aquela havia sido mais uma. Em meus braços a garrafa vazia aninhada como um bebê, daqueles mais pequeninos e calmos sussurrava coisas que só eu podia ouvir. Por um momento, lembrei que meus livros patéticos não estão rendendo como antes e preciso procurar qualquer trabalho que não me mate de fome, mas cá estou bêbado, caído. Lembrei também de quando era criança. Se naquele tempo eu fazia de simples pedras ou tocos, brinquedos; hoje faço canetas e garrafas de bebida transformarem-se em armas fatais, bombas atômicas que explodem apenas aqui dentro desse corpo corrompido e apodrecido por um sistema onde abutres carregam no bico toda a nossa carne e alegria, e nas garras o poder.
Deixei de lado as lembranças e a garrafa, me apoiei na pequena mesa onde descansava o telefone para tentar levantar. As pernas bambas e a náusea dificultaram a tarefa, mas na segunda tentativa me coloquei em pé. Entre sofás, mobílias, telefones, janelas, paredes que saltavam girando em minha visão, notei que as varias latas de cerveja que antes estavam jogadas pelo chão, já não se encontravam mais ali.
Às vezes ela era assim, aparecia em silêncio, invisível. Eu podia perceber o odor daquele perfume no meio do cheiro de cigarro que estava alastrado pelo ambiente. Dirigi-me até a cozinha, na esperança de encontrar um pouco de agua na geladeira. Deparei-me com ele, o bilhete delicadamente colocado em cima da mesa, escrito com aquelas letrinhas miúdas em tinta preta, as palavras eram fortes e rancorosas, mas ainda assim carregadas de ternura, tão leves quanto o próprio papel:

"Seu cretino,
recolhi as latas de cerveja. Essa garrafa de rum, essa mesmo que acordou em seus braços, você não soltou...
O banheiro deixei vomitado, porque sei que assim que acordar, vai vomita-lo todo de novo
Eu esperava pelo menos te encontrar acordado, não sei porque ainda fico decepcionada com isso
Tu é um grande filha da puta, mas bem que gosto de você.
Isabela"


Percebi pequenas manchas amarrotadas no guardanapo, provavelmente gotas secas, lagrimas que percorreram todo aquele rosto amável de garota solitária e pingaram com a leveza de uma tonelada de tristeza enquanto o escrito era concluído.
As palavras de Isabela levaram embora toda a minha sede, andei até o banheiro, ele realmente estava lamentável e cheirava a azedo. Olhei para minha imagem refletida no espelho, ela sempre parece rir da minha cara. Já não me pergunto mais o porquê das coisas estarem como estão, nem porque Isabela se dedica tanto a um fracassado idiota como eu. Queria ser um tanto mais forte para conseguir pedir desculpas, para gaguejar um tal de “eu amo você”. Pensei em telefonar, dizer para nunca me deixar sozinho, para vir até aqui me abraçar, me beijar. Pensei nas tantas canalhices da minha parte e concluí que nada mereço.

3 comentários:

  1. Seus escritos me deixam sem palavras.
    Só posso dizer, ou melhor, só consigo dizer que: Quero ler mais, muito mais!
    Beijos :*

    ResponderExcluir
  2. Bom. dificil ler algo forte na internet, forte, sincero e nada juvenil.

    ResponderExcluir