segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Dona morte está atrasada

Esse tipo escroto entrou no meu quarto espantando com as mãos a névoa de fumaça fedida do cigarro. Eu estava jogado ali na cama há quatro dias, sem banho e bêbado como um porco. As garrafas faziam fila por todo o quarto, acompanhadas pelas bitucas amassadas. A janela sem abrir durante todo esse tempo parecia tão enferrujada quanto o sol ridículo e o filme de terror que passa lá fora. Sempre fui um cara estranho e durante muito tempo me incomodei com isso, com os olhares de nojo das meninas que vinham direto ao encontro dos meus olhos cansados no tempo da escola e a ignorância dos muitos coitados em relação a mim e minha falta gigantesca de interesse em qualquer coisa que me fizesse abrir os olhos. Agora não mais; queria apenas estar bêbado e deitado.
Tenho pavor de rua e de gente. A fala desmedida das pessoas me irrita de tal forma, que mandei meu chefe tomar no cu e obviamente fui demitido. Juntei minhas coisas e no caminho pra casa joguei tudo fora, num daqueles lixos de coleta seletiva, papel por papel. Quando você espera a morte com um buque de flores na mão, não precisa de nenhum tipo de trabalho, nem de dinheiro e muito menos de pessoas podres te cercando e te comendo o cérebro com ideias inúteis e mentirosas. A falência do corpo e da alma é simpática ao contrario dos monstros que aparecem por toda beirada de mundo que você tenta andar, ela vem sorrindo pro seu rosto feio praticamente como um brinde da vida chata que te cerca.
No meu radinho rouco, ouvia Mozart. Na verdade eu nem sabia mais o que ouvia e nem queria saber. O cara o desligou, como se fosse dele, fato que me incomodou, mas eu estava ocupado demais com meu bafo de álcool e meu olhar direcionado para o teto amarelado de nicótina, para reclamar de alguma coisa. O filho da puta ficou parado ao lado da cama e não se moveu enquanto não sentei xingando e falando qualquer tipo de merda que a bebida me permitia falar. É triste rapaz, é triste pros outros, mas pra mim é o paraíso e não quero nenhum idiota interrompendo minha espera. Dona morte está atrasada e só eu entendo isso.
Me olhava com pena, o olhar tristonho até me comoveu de certa forma. Por um tempo me fez refletir o que estou fazendo com minha própria vida, mas logo pensei na porra que ela é e do tanto que é inútil a minha televisão e meu telefone e minha casa tosca. Tem muita gente por aí morrendo por menos e nada mais tem valor, coisa fictícia essa, porque nunca existiu mesmo. Você liga aquele aparelho e enquanto as imagens surgem naquela tela colorida e mentirosa, seu encéfalo oculto e cada vez mais poluído sente vontade de vomitar. Quem tá lá fora não percebe todo esse horror, toda essa coisa triste que as pessoas carregam nas costas, sorrindo. Odeio também quando minha mãe acha que aos poucos estou me matando, e me manda pra rapazes idiotas, formados em merda nenhuma que só sabem receitar fluoxetina. Claro que não é mentira. O problema é que nunca pedi pra nascer e se pudesse ter escolhido, seria hoje um espermatozoide seco e morto. Não culpo meus pais, mas eles tiveram azar, talvez se tivessem um filho com a cabeça podre e inexistente transbordando merda pelos ouvidos, seriam mais felizes.
Voltando ao meu tempo de escola, a diretora culpava meu jeito revoltado e meu cuspe parado na cara de todos os professores pelo fato de meus pais serem separados. Agora imagine que tipo de pedagogia impunham naquele lixo de instituição educacional. Escolinha particular, coisa fina da cidade, eu cai lá dentro direto da várzea e o pessoal metido a riquinho que fazia palhaçada naquilo graças ao cu das mães deles me ignorava e impunha regras para minha estadia naquele necrotério escolar. Meu melhor trabalho nesse hospício foi ter desenhado uma merda bem grande no brasão da escola com moscas a voar em volta. Coisas particulares, bem como faculdades e todo o resto de calunias que você precisa pagar os outros pra fingirem que te ensinam algo é a piada do século XXI.
Agora, esse cara que tá aqui, me arrastando pra reabilitação, porque meu pai acha que assim tem que ser e que estou louco e drogado e alcoólatra, nunca vai entender. É o exemplo certo de coitado iludido. Dona morte está atrasada, ou não recebeu minha carta desesperada, ou até ela me acha estranho demais pra poder ficar em paz e sozinho num lugar bonito, se é que isso realmente existe.

22 comentários:

  1. Muito bom! Uma adjetivação perfeita colocada em detalhes tão intensos que, consigo me ver diante do personagem.

    ResponderExcluir
  2. ''se é que isso realmente existe.''
    Muito bom mesmo.
    A palavras colocadas no lugar certo, de forma certa fazem com que a vontade de ler não cesse.
    Texto forte, Parabéns!!

    ResponderExcluir
  3. se publicassem esse texto num livro do Velho Safado, eu, certamente, acreditaria que era dele. mesmo! o jeito leve da escrita, o pessimismo espalhado em todas as palavras, a maneira bêbada de levar a vida...

    haha, e, por favor, entenda meucomentário como um elogio.

    ResponderExcluir
  4. Você tem um grande potencial...
    Saiba usa-lo!!!

    ResponderExcluir
  5. De fato você deve ter escrito isso ontem a noite enquanto você bebia Balitos e fumava o seu cigarrete! HUAHAUHA ;P

    ResponderExcluir
  6. consegui imaginar a cena perfeitamente encaixada num film noir.

    "...talvez se tivessem um filho com a cabeça podre e inexistente transbordando merda pelos ouvidos, seriam mais felizes." ignorance is bless. todos seríamos mais felizes se fôssemos ignorantes.

    ResponderExcluir
  7. Agressivo, hein. Desânimo, desmotivação, e consequentemente a desejada - no caso - decadência. Um indivíduo sem força, sem vontade de viver, mas que também não vai se esforçar para encontrar um método simples para morrer, porque não tem saco nenhum pra se esforçar pra nada. Prefere se estragar aos poucos com um vício. Escrita muito boa.

    ResponderExcluir
  8. guilhermee.. te dei um selo no meu blog...

    http://www.dignodecapa.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  9. haha, sem comentários como sempre.
    fantástico a postagem.

    ResponderExcluir
  10. isso me cheira domingo haha

    ResponderExcluir
  11. Caralho. Eu comecei a ler e não podia parar, haha. Bom demais. Bom é pouco, excelente!
    Queria escrever algo mais, mas não tenho nem palavras :<


    http://insoniarepentina.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  12. Cara, é como o Matheus falou lá em cima! Esse texto teve uma forte influência [pelo menos pra mim] dos traços do Bukowski! Surpreendente, e de uma linguagem realista e intensa. Adorei '-'
    "A fala desmedida das pessoas me irrita de tal forma, que mandei meu chefe tomar no cu e obviamente fui demitido."
    Seguindo, abraços.

    ResponderExcluir
  13. Guilherme, parabéns pelo blog, te indiquei no meu blog para um selo de qualidade =).

    ResponderExcluir
  14. Ual. Parabéns, como sempre impressionante os seus textos. Também estou lhe indicando um selo de qualidade.

    http://mysteriesclouds.blogspot.com/2011/01/meu-1-selo_8038.html

    ResponderExcluir
  15. Parabéns, texto muito bem elaborado e muito forte
    gostei muito.

    ResponderExcluir
  16. Guilhermee, vim aqui te dar um selo.
    Assim que recebi lembrei do teu blog.
    Escreve com a alma, com a realidade, e por isso é um dos meus favoritos.
    beijão ;*
    http://umamor-demenina.blogspot.com/2011/01/mais-um.html

    ResponderExcluir
  17. Quanto mais leio, mais apaixonada e certa do modo que olho a vida é verdade, e vc tb a ve assim. =D

    Parabééns

    ResponderExcluir
  18. Tenho dois selos pra você =}

    http://insoniarepentina.blogspot.com/2011/01/selos.html

    ResponderExcluir
  19. Isso me soou como um grito.
    Não sei usar de elogios, mas incrível pode definir muito o que acabo de ler.

    ResponderExcluir