segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Quarto branco

Enquanto aquelas mãos quebradiças dobravam o papel com um sorriso quase apagado na face, o filme inteiro rebobinou e passou novamente por todo o meu encéfalo e nas paredes brancas daquele pequeno quarto. As imagens ocuparam tudo e eu tentava manter a expressão leve e alegre perto dela. Lembrei-me de como balançava em suas costas aquele longo cabelo negro feito as cinzas de cana que empesteiam o quintal na época da queimada e também de como ela corava quando eu a acordava com milhões de beijos e o café pronto. Lembrei-me de todas as noites, os banhos e porres de vinho que havíamos tomado até ali. Os abraços. As chantagens e as brigas estúpidas que não foram poucas. O cheiro de baunilha que tinha aquela pele branca e cheia de pintinhas, antes de começar a cheirar puro remédio. Lembrei-me de cada parte do seu corpo e do tanto que as amei e ainda amaria e dos passeios e viagens que fizemos a sós no nosso trailer velho e também do calor da barraca verde. Ela desviou o olhar em minha direção, dando um pause momentâneo na película:
- Sabe, as coisas vão ficar bem, não vão? – Perguntou com a voz fraca e rouca – Esse quarto devia ter mais cores.
- Vão sim, vão sim...
- Promete?
- Eu prometo. E elas todas serão tão bonitas quanto você!
Ela sorria. Eu queria chorar, mas engoli as lágrimas ao invés de expeli-las pelos olhos. Teria muito tempo para derrama-las quando saísse dali procurando chão pra pisar, tentando escapar da lama, abrindo a porta de casa e encontrando todas as suas coisas espalhadas pela morada e seu cheiro ainda cobrindo a cama. O casaco atrás da porta e a escova de dente e a gaveta de calcinhas e a saudade também estariam lá.
Aquele quarto branco nem parecia tão branco assim quando ela pousou o origami um pouco torto na palma da minha mão. Seus dedos frios correram pelo meu braço. Estava na hora e eu sabia; com a mão direita alisei seu rosto, sua testa, até o final da careca pálida. Ela não tinha mais forças para usar palavras e ainda assim, uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Aqueles olhos caramelados me fitaram pela ultima vez, esboçou um sorrisinho miúdo. Dei-lhe o último beijo e a boca descolorida e ressecada parou de tremer. A mão que segurava meu braço caiu dependurada ao lado da cama. E eu ainda me lembro do dia em que jurei que estaria com ela até o fim sem esperar que ele fosse chegar tão rápido. Veloz assim, como um raio que atingiu em cheio a cabeça, a nossa cabeça.

16 comentários:

  1. Nossa! Triste, mas muito, muito bonito e de uma sensibilidade encantadora. Adorei.


    http://insoniarepentina.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  2. Uau! Esse foi o melhor até agora, na minha opinião. Tão poeta, rs!
    s2

    ResponderExcluir
  3. Nossa Guilherme, que texto!
    Quase choro =x
    Muito forte, muito lindo, muito profundo!
    Parabééns mais uma vez!

    ResponderExcluir
  4. suas palavras foram sinceras e espontâneas, foram lindas. você as encaixou com uma sensibilidade única, guilherme. parabéns, sempre leio coisas boas por aqui.

    ResponderExcluir
  5. Aaaaaaaaah, seus textos são incríveis. Nunca deixam a desejar, sempre saio daqui pensando ''NOOOSSA, esse cara manda muito''. HAHAEU (:
    Beijo.

    ResponderExcluir
  6. bem forte, intenso e marcante... gostei muito.

    ResponderExcluir
  7. E mais uma vez não consigo encontrar um adjetivo. Parabéns, Guilherme!

    ResponderExcluir
  8. Emocionante *-*
    Eu estou amando os seus textos *--*

    ResponderExcluir
  9. Que texto!
    Talento de sobra cara. Admiro demais.

    ResponderExcluir
  10. Selos para você lá no Sangue. http://sangueesolidao.blogspot.com

    ResponderExcluir
  11. A forma como vc narra as cenas faz com que a gente se veja participando dela.
    Me deu até arrepio, Guilherme! Sem brincabeira!
    Parabéns mais uma vez!

    ResponderExcluir