quarta-feira, 11 de abril de 2012

Poema pascal

encontrei Samuel no mercado semana passada.
estávamos na fila do caixa e enquanto carregávamos
nossas cervejas em caixas de papelão,
ele desviou o olhar para um ovo que havia sido abandonado
junto à uma bancada que sustentava
inúmeros vasilhames de plástico.

"sempre tive nojo da pascoa", ele disse
"por quê?", perguntei, mais interessado
na integridade das cervejas
"são esses ovos de chocolate, cara.
olhe o tamanho deles,
eu quando criança ficava imaginando
um coelho botando aquilo pelo cu,
aquele ânus pequenino no meio da penugem branca
desabrochando como uma flor.
um grande e gigantesco girassol de merda
expelindo um ovo gigante"
"HAHAHAHAHAHAHAHA", peguei um pacote de chicletes
e joguei dentro da caixa

nesse momento, uma mulher de olhos claros e cabelo caramelado,
bastante esbelta, com a bunda empinada e um vestido
vermelho, de renda,
uma dessas que vão ao mercado
como se subissem em uma passarela de moda,
sem saber que na verdade são a atração principal
da casa dos horrores, saiu da nossa frente tapando
as orelhas do filho e foi em direção a outra fila.

"é serio", Samuel continuou
"esse lixo devia ser proibido,
ainda bem que aprendemos: coelhos não botam ovos.
se não a coisa toda seria pior.
juro por Jesus, que vai morrer daqui dois dias,
que eu vomitava quando minha mãe colocava
um treco desses na minha frente."
"HAHAHAHAHAHAHA"

“eu só sentia que tinha que me salvar”, fez uma pausa para
alcançar um pacote de amendoim “eu sempre senti isso,
mas ninguém nunca se salva”, atirou o pacote dentro da caixa,
"nem disso, nem de nada nesse mundo. terrível essa existência."
"salvação só existe mesmo depois que a gente morre,
no enterro. e até lá, ainda podemos beber", eu disse,
tentando encerrar a conversa.

eu estava há muito tempo dentro do mercado, cercado de gente e
mais gente, suas vozes terríveis em minha cabeça,
seus corpos se enroscando nos corredores, calor e
aquele teatro mundano todo cheio de cores falsas,
o que me deprimia e aumentava minha sede.
essas são as pessoas e isso é o que elas fazem
comigo.

a vez de Samuel chegou e nos despedimos enquanto
ele jogava suas cervejas e o pacote de amendoim
para dentro da caixa outra vez.

voltei ao mercado mais tarde
e fiquei olhando para o túnel de ovos de pascoa
antes de correr novamente para a sessão
de bebidas.

o filho da puta
tinha razão,
me parece que por mais que me sinta,
não estou sozinho afinal.

a insanidade, as vísceras,
estão todas jogadas por aí
pelo ar, nos absurdos do mundo
e
nos ovos de pascoa
também

3 comentários: