quinta-feira, 26 de julho de 2012

Porque quatro dias é demais

O barulho daquela avenida numa manhã de domingo assim como em todos os outros dias era um tormento, os motores dos carros que passavam pelas duas vias nunca sessavam e apesar da cidade não ser tão grande, era chato. Era como ter uma maquina de engrenagens dentro da cabeça. No caso de Alex, isso já tinha se convertido em algo quase inaudível. Vivia ali desde o nascimento e já não sustentava esperanças de encontrar silêncio naquele lugar, aliás, nem em parte alguma. O homem estava mesmo fadado a conviver com barulho e loucura, seja ele de maquinas, televisores, rádios, animais ou do próprio ser humano e sua boca fedida.
Raios de sol se infiltravam pelas frestas da persiana, iluminando parcialmente o quarto. Marcela já devia estar acordada há umas duas horas, ela sempre acordava primeiro.
- Alex? Tá acordado?
- Hmmm ahn hmmmm
- Al? Já são quase 13:00. Você não vai levantar? Al.. Eu estou enjoada de ficar deitada.
- Pode levantar, pode fazer o que quiser. Você não está amarrada, amor. Mais um pouco e saio da cama...
- Então tudo bem.
Alex soltou um longo suspiro, sem abrir os olhos. Coçou o rosto e virou para o outro lado. Marcela começou a acariciar suas costas, descendo e subindo com o dedo indicador. Depois deu um cutucão, e outro.
- O que é, porra? - Disse Alex - É impossível dormir com você aqui e já se vão TRÊS DIAS E TRÊS NOITES assim. Maldito seja esse feriado prolongado.
- Mas já são quase 13:00. Você dormiu demais. Parece que não sabe pensar em outra coisa. Dorminhoco.
- Pro caralho com isso. Você mal me deixa dormir a noite. E nem por isso eu te acordo quando, no meio da madrugada, começo a sentir um calor do inferno e preciso levantar para não morrer queimado.
- Por que tá falando assim comigo? Não me quer aqui? Há dois dias você estava diferente.
- Olha, você vem e fica sempre dois dias. Quatro dias é demais pra mim. Posso suportar dois, mas quatro é demais.
- Você não me ama mais? Não quer estar comigo?
- Eu posso te amar quando você está de boca fechada. Você fala o tempo todo, minha cabeça, meus ouvidos estão doendo. É demais pedir um pouco de silêncio?
- Eu sou chata?
- Santo Cristo.
- O que foi?
- Não é isso. Você tá parecendo uma parasita. Você me esgota. Sinto-me doente. Eu posso dormir por oitenta e seis dias seguidos, mas se você estiver do meu lado em todos eles, grudada feito uma sanguessuga eu vou sempre estar cansado e acabado. Sem contar essas perguntas infinitas.
- HAHAHAHAHAHA Exagerado. Aliás, você arrumou o carro? Queria dar uma volta...
- Estou falando sério. Não se faça de desentendida.
- Qual o problema? Meu aniversário está chegando e...
Alex levantou, procurou a cueca no meio do lençol, vestiu-a e foi até a cozinha. Abriu uma cerveja, pegou a frigideira. Uma mancha negra e grudenta se formava bem no meio dela, parecia mais um tumor. Jogou óleo por cima da mancha, colocou no fogo a frigideira e quebrou um ovo dentro. Marcela veio do quarto e sentou à mesa.
- Tô cansada. - ela disse
- Só pode ser piada...
- Não, acho que é fome.
- Marcela, você não gosta de nada que tem aqui. Não gosta de ovos, não gosta de frutas e nem das bolachas que estão no armário. Nada serve pra você.
- Idiota.
- Pega uma cerveja. Depois vamos ao mercado.
- Não quero mais saber.
- Ok. Foda-se.
- Eu vou embora.
- Vá. Você está dois dias atrasada.
Marcela fechou a cara, correu para o quarto. Dava para ouvi-la juntando suas coisas, vestindo a roupa enquanto balbuciava alguns insultos. O estalo que fazia a velha maçaneta da porta principal ecoou pela casa.
- SEU FILHO DUMA PUTA! ESPERO QUE VOCÊ SUBA SONAMBULO NO TELHADO, CAIA E QUEBRE TODOS OS OSSOS E MORRA! - Ela gritou, e bateu a porta.
Alex terminou a cerveja, comeu o ovo frito e voltou a dormir. Nada se comparava à tranquilidade de estar só, em meio aos motores na avenida. A própria respiração servindo de companhia, flutuando em meio à luz solar fosca que iluminava o quarto.
O romance se arrastou por mais duas semanas, mas só nos sábados e domingos.

2 comentários:

  1. Prezado amigo,

    Estou deixando este recado, pois adorei ler teus escritos no blog.
    São muito bons! Gostei muito. Vou passar sempre por aqui, para ler às novidades.
    Aproveitando, deixo o endereço do meu. Caso tenha uma pontinha de curiosidade sobre o que escrevo.

    http://didimogusmao.blogspot.com.br/
    Desde já um abraço.

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