sábado, 2 de outubro de 2010

Diagnóstico

Há pouco mais de um mês, percebi que estava cansado, que o mundo me dava náuseas e definitivamente não queria mais ver gente sofrer. Ser médico num hospital público de uma grande cidade nesse enorme e massacrado país, não é fácil. Tudo isso explodiu aqui dentro graças ao Jair, meu último paciente antes de eu pedir o afastamento. Ele sempre estava com um sorriso quase imperceptível, era um desses sorrisos desesperados, que pedem socorro. Resolveu procurar um neurologista porque já não podia aguentar as dores de cabeça, as tonturas constantes. A cada consulta as coisas pioravam, não tinha remédio que amenizasse o desconforto, eu na minha postura de médico já imaginava qual seria o problema e alguns exames, infelizmente, confirmariam meus pensamentos.
Certa vez Jair me contou sobre seus pais. A mãe morrera no parto do irmão mais novo e o pai alcoólatra espancava os filhos a cada porre, até o dia em que foi morto em uma briga de bar. Outra vez me falou também que começou a trabalhar muito cedo, pois tinha que cuidar dos dois irmãos mais novos e queria tomar de volta o que era deles por direito, tudo aquilo que os poderosos levaram sem pedir permissão.
Já havia dado noticias desagradáveis como essa para muitas pessoas, que obviamente entraram em desespero e suplicaram a deus ou qualquer outro santo fictício por alguma espécie de cura milagrosa inexistente, mas esse homem era diferente. Quando abri o exame e lhe informei que era portador de câncer, um tumor maligno no cérebro já em estado avançado e nada mais poderia ser feito, ele nem se quer se deu ao trabalho de mudar a expressão, continuou cabisbaixo com o leve sorriso de sempre , aquele rosto queimado de sol e marcado pela vida, 45 anos com aparência de 70. Algumas lagrimas escorreram pelas rugas que cobriam sua face e quando terminou de chorar as ultimas gotas de esperança que lhe restavam, disse:
- Câncer? Não doutor. Minha doença tem outro nome, realidade...

5 comentários:

  1. realmente, tu é o guri das frases impactantes, né?

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  2. Concordo! "Frases impactantes" que, no conjunto tornam o texto impressionante! Adoro isso :o)

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  3. Parabéns pelo blog, Guilherme. Ótimo texto!
    Tem um selo para você lá no meu blog,
    Beijos.

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  4. E falando de Otto, é importante ressaltar que foi o texto que foi de mais difícil "aceitação" para mim. Não é o que estou acostumada a fazer, que bom que gostou.

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