quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

As formigas plantaram coisas feias na colônia

É segunda-feira, o vento forte brande sua foice gélida contra a janela, o despertador de cabeceira tilinta num ruído frenético, sujo. Ele já está acordado, não dormiu essa noite. Estende um dos braços pra fora da cama e esmurra o aparelho portador das horas, fazendo o mesmo ficar sem voz. Abre a janela e elas já estão todas lá, naquele ritmo macabro dos dias; pessoas e carros aos montes correndo pela rua como formigas pertencentes a uma única e gigantesca colônia, trabalhando para uma só cabeça.
Dias e rotina e pessoas e dinheiro e amor. Tudo isso é demais para ser digerido em uma só vida. Essas coisas formam uma combinação mortal, uma mistura mais poderosa que a formula da bomba atômica, pensa ele. Nunca consegue encontrar um caminho para entender a sua própria raça estúpida que traça sorrindo um final precoce para a alegria alheia. As coisas bonitas ficam todas distantes da realidade que ele vê e sente.
Dezenove anos, está na maldita flor murcha e preta da idade, com a alma morta, sangrando por todos os orifícios, vendendo docinhos vencidos numa padaria escondida de esquina que mais parece um buraco fundo e húmido. Tem olhos tão negros quanto uma cova; eles indicam um precipício, mas no fundo, bem no fundo têm um brilho, uma luz amarela e cintilante que ninguém vê. Nem mesmo aqueles que tentam arrombar aos socos e pontapés a pequena porta da sua solidão sem saber que essa sempre está aberta, implorando por uma nuvem branca.
Gosta de calmantes e bebidas alcoólicas. Não se sente a ultima ovelha do rebanho quando está bêbado, nem o anormal e muito menos inferior a qualquer outro ser que também tenha cu. Quando encosta sua cabeça doente e bêbada no travesseiro e fecha os olhos para adormecer, sonha com uma overdose. Sempre acorda com metade do corpo espalhado para fora do colchão, olhando a mancha de bolor presente no teto irritada com o barulho do despertador, sente-se triste pelo que é, culpado pela preocupação inútil da sua mãe. Ele sabe que ela merecia o melhor filho do mundo, mas que nunca vai chegar perto disso e sente vontade de dizer “desculpa mãe, eu te amo” e vomita por ter bebido demais e por ter acordado outra vez. Tem também que sair catando os retalhos dele mesmo, do sonho, da lágrima que ficam espalhados ao redor da cama. E ele sempre o faz aos passos desanimados e silenciosos de uma dança sem fim, enquanto as formigas já estão lá fora.

19 comentários:

  1. Eu adoro teu blog, você escreve de uma maneira incrivel.

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  2. gosto demais da tua escrita e dos conceitos presentes nela. :D

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  3. Linda esta parte: "(...)Dezenove anos, está na maldita flor murcha e preta da idade, com a alma morta, sangrando por todos os orifícios, (...)" Incrível a sua capacidade de mesclar coisas tão diferentes que, unidas, dão nesses textos perfeitos.

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  4. '..Dias e rotina e pessoas e dinheiro e amor. Tudo isso é demais para ser digerido em uma só vida..'
    A cada dia que venho, e a cada texto que leio me surpreendo mais (:
    Escreve muito bem!

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  5. Velho, "parabéns" é o que eu tenho pra te dizer. Mesmo.

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  6. Adorei, parabéns. Tem mais um selo pra você, Guilherme!

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  7. me senti meio narrador-personagem nesse. feliz fim de ano.

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  8. Dos todos os blogs que já vi, o seu é um dos melhores. Nunca tinha lido nada parecido. Tô marabilhada...
    Parabéééns mesmoo.

    =D

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  9. É, nossas fotos no orkut foram combinadas heheh. Tem selo para você cara, seu texto está de parabéns. :D

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  10. Irresistivelmente morimbundo...

    Segui! Grande blog!

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  11. Meu Deus, nem sei de que maneira exclamar sobre a forma como tu usa as palavras, o enlace perfeito com que elas se colocam no texto. Já li várias postagens tuas e nem consigo explicar a sensação que elas me causaram, é quase que um sentimento agridoce e uma identificação muito louca. Me apaixonei pelo que tu escreve. Demais! :)

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  12. deixei um selo pra você em meu blog cara HAHA.
    parabéns, mesmo.

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  13. Chega a ser frustrante nunca ter palavras suficientes para expressar tudo o que sinto ao ler seus textos. Ok, defino assim: É indescrtível.

    A propósito, amei essa parte "Dezenove anos, está na maldita flor murcha e preta da idade"

    Parabéns, você é um talento.

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  14. Torço para que seja de são paulo. To organizando um sarau e porra, eu ficaria muito feliz se você aparecesse por lá
    (:

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  15. Olá, tem um selo esperando por ti em meu blog, venha buscá-lo. Bjs.

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  16. Acho que eu não preciso expressar o que eu achei do texto, se eu o fizesse, estaria apenas sendo repetitiva ao extremo, devido tantos comentários regozijando o teu puta talento.
    putatalentoputatalentoputatalento.
    Me impressionou totalmente. Parábens, Guilherme.
    E muitíssimo obrigada pelo comentário no meu texto, me sinto totalmente lisonjeada.

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  17. "sair catando os retalhos dele mesmo"
    fantástico.

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