domingo, 5 de setembro de 2010

O que pensa R ?

- Chuta garoto, chuta! -gritava o pai desesperado na arquibancada.
R olhou com o canto dos olhos, olhos visivelmente saturados. Chutou como pediu seu pai, mas caprichosamente fez com que a bola fosse direto na cara do juiz. Gargalhadas dominaram sua expressão de indiferença, tirou a camiseta do uniforme e dirigiu-se para fora do gramado resmungando:
- Merda, tudo isso é merda, nunca gostei de futebol.
O juiz veio logo atrás com um cartão na mão, o qual ele nem se importou em ver a cor.
- Enfia no cu esse cartão - exclamou R -não vou mais jogar nesse lixo. Continuou seu caminho, sem reparar nos insultos dos colegas do time, que descontrolados e indignados xingavam sem parar.
O pai, pendurado na grade da arquibancada estava desesperado:
- Mas o que esta fazendo rapaz? Venha já pra , vou te dar um corretivo!
R não respondeu, apenas deixou o campo, montou em sua bicicleta enferrujada e partiu em direção a casa. Seus pais eram separados, ele pouco se importava com o pai. "Quem é esse cara? Mal me conhece e quer interferir na minha forma de pensar" pensava R. Ele tinha 19 anos, nunca foi de fazer muitos amigos, mas sabia dar valor aos poucos que tinha mesmo esses não entendendo sua forma peculiar (e correta) de ver as coisas. Namoradas também teve poucas, não gostava daquelas vadias que se aproximavam por interesse material, nem de ir em festas e se esbaldar com 20 garotas na noite, sempre quis uma única que nunca teve ou pelo menos nunca encontrou.
A mãe estranhou a chegada precoce do filho:
- você não tinha jogo?
- Tinha mas joguei apenas 10 minutos.
- Como assim?
- Nunca quis jogar, nunca quis agradar o pai.
A mãe tentou continuar a conversa, sem sucesso. R subiu as escadas correndo e se trancou no quarto, essa era a única forma com que ele se sentia em casa, em seu próprio mundo, completamente livre de todas as visões perturbadoras, que sem querer tinha. Tentou escrever alguma coisa, como habitualmente fazia, mas as palavras presas em sua cabeça pareciam ter pernas, pareciam correr, fugir da ponta do lápis velho e gasto pelo tempo. Ele parou uns instantes para pensar, andou feito um fantasma pelo quarto, deitou na cama, levantou e abriu a janela. Dela podia ver as pessoas que passavam e ouvir cada uma das conversas fúteis que essas tinham. "Quem foi que fez você assim? Quem?" perguntava para o nada.
O celular tocou, era seu pai:
- Filho, vamos conversar... O que foi que aconteceu hoje?
O pai sempre tentou uma amizade forçada.
- Nada... Pai. Respondeu R.
- Como nada? O que falta pra você? O que te impede de ser um jovem normal?
R riu por alguns segundos
- Sabe cara, não falta nada, o que acontece é que o normal de hoje em dia é o podre da humanidade e o que mais você tem para me oferecer a não ser dinheiro?
O pai tentou argumentar, R interrompeu:
- Não fale nada! Não quero seu dinheiro e nem sei se preciso do seu carinho, se é que você tem, apenas vivo arrependido de uma coisa que não fiz por querer... Nascer.
Desligou. Após o curto dialogo, R foi até a cozinha buscar gelo, voltou para o quarto, acendeu um cigarro, retirou de dentro do guarda roupa uma garrafa de vodka barata que sempre mantinha escondida ali, preparou um, dois, três, quatro copos. Da garrafa sobrou um fundo mínimo de liquido. Ele gostava de estar bêbado. Bêbado e livre, gostava de deitar enquanto a luz do quarto girava diante de seus olhos, enquanto não sentia mais nada, a não ser o álcool por toda parte do corpo.
Adormeceu ali, jogado e livre de todas as coisas escrotas que tinha conhecimento, de todo o sofrimento alheio que era forçado a ver diariamente pela janela do ônibus ou nas paginas dos jornais. Dormiu como desejava, a única tristeza que sentiu antes de adormecer é que em breve teria que acordar mais uma vez.

4 comentários:

  1. Cara, isso ficou muito bom! Quem dera se todo mundo pensasse e visse as coisas como R. Parabéns.

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  2. Adoro teus textos, menino! Esse, em especial, por motivinhos pessoais.

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  3. Muito forte, nem tenho palavras.
    Já te sigo.

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  4. copio um comentário anterior...

    Quem dera se todo mundo pensasse e visse as coisas como R.

    gostei muito.

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