sábado, 11 de dezembro de 2010

9/12/2010

Sentou ao meu lado uma moça. Nossas poltronas ficavam bem na asa, estávamos no voo TP 4198, noturno com destino à Lisboa. A garota falava bem baixinho e fez algumas perguntas sobre a bagagem de mão e o sinto de segurança.
- É seu primeiro voo, não? Perguntei sorrindo. Muitas vezes careço de simpatia, mas não dessa vez.
- Uhum, e meu irmão disse que isso aqui era mais confortável que ônibus, tá me parecendo mais apertado, isso sim.
- As poltronas que se transformam em cama só existem na primeira classe. Nós aqui da várzea temos que sofrer um pouco mais com os pés inchados e as dores nas pernas...
- E esses cintos são feitos só pra gente bem magrinha né?
Eu ri, e a ensinei como regular.
As aeromoças começaram a explicar os procedimentos de segurança, gesticulando e dizendo para acompanharmos pela televisão presente em cada uma das poltronas. Logo o avião estava em movimento, direcionando-se para a pista de decolagem.
- E então é sua primeira vez e já vai na asa, bem onde da pra ver as coisas todas balançando...
Ela riu tentando disfarçar a ansiedade.
- Não fique me assustando, vamos viajar juntos por bastante tempo e eu ainda quero gostar de você!
A comissária anunciou no auto-falante para mantermos as poltronas retas e os cintos apertados. Senti a nave acelerar na pista até os trens de pouso deixarem o chão, e a vista de Campinas pela janela foi ficando pequena e pequena, lá de cima ela parecia uma maquete iluminada para o natal. A moça logo voltou a falar:
- Então prazer, Ana! – me esticou a mão.
- Prazer... Guilherme.
Conversando um pouco mais, descobri que ela estava indo para a Inglaterra visitar um irmão. Também que era chilena, mas morava desde muito pequena no Brasil. Seu espanhol era fluente, já que em casa todos conversavam apenas em castellano. Fato que aproveitei para praticar um pouco meu espanhol também. Chutei que tivesse uns 22 anos, por causa da voz e da aparência, mas tinha 28.
Passávamos de uma hora de voo e as garotas do avião vieram trazer o jantar. Uma tentativa de frango, acompanhada por arroz e um pão. De sobremesa um bolinho meio seco e uma salada de frutas sem gosto. Aliás, tudo no avião acaba ficando meio sem gosto depois da primeira vez. Comida, banheiros, poltronas, gente que ronca, turbulências... Pedi um vinho para acompanhar o banquete.
Como viajávamos anoite, após o jantar as luzes foram apagadas e aqueles não afortunados com o sono, iguais a mim ficaram apenas com a companhia da pequena televisão touchscreen. Entrei na seção de filmes e passei o resto das minhas primeiras horas de prisão no ar assistindo um, que foi interrompido umas três ou quatro vezes com avisos sobre áreas de turbulência, e eu dizia mentalmente “pro inferno as turbulências, deixem-me ver o filme em paz.” Ana dormiu fácil, o medo tinha ido embora rápido.
Quando o filme acabou, resolvi tentar ao menos cochilar um pouco. Entrei na seção de musicas e lá estava disponível o CD Death Magnetic do Metallica, coloquei pra tocar. De olhos fechados eu pensava demais na viagem, o que trouxe das nuvens para dentro de mim certa nostalgia e medo de coisas velhas, tão novas e nenhuma motivação para dormir. O sono sempre foi um cara durão comigo e costuma ser pior, principalmente quando deixo do outro lado do oceano uma coisinha estática e inacabada, me fazendo cara feia.
Pensei num aviso sobre turbina pegando fogo, e toda aquela gente gritando “MEU DEUS MEU DEUS MEU DEUS, OH VAMOS MORRER” enquanto eu tentaria curtir alguma musica ou filme tão estupido quanto eu, no lugar das malditas turbulências. Mas se o avião começa a cair, desligariam todo aquele programa de entretenimento e eu não teria outra saída a não ser ficar rindo ao som dos berros desesperados para o senhor coisa nenhuma até o momento do BUM! Acabei por conseguir dormir... Um pouco.
Despertei após umas duas horas, com a certeza de que apesar daquele aviso tardio sobre a viagem e toda a história e aquela falação que saiu de ti e me fodeu de alguma forma, devia ter enfiado você na mala. Uma aeromoça passou no escuro do corredor oferecendo agua, pedi mais um vinho, e logo estava tudo bem.
Amanheceu e nos entregaram o café da manhã, tão sem gosto quanto às outras coisas. Logo o avião começou a baixar e já pude avistar a costa de Lisboa, linda com todos os seus barcos e praias e pedras. Sobrevoamos parte da cidade e ele estava pronto para aterrissar. Ouvi um menino vomitar num daqueles saquinhos para enjoo e uma senhora da fileira do meio também acabou passando mal. Terminei por pensar em você ali no lugar da Ana e em como poderia ficar ainda mais bonita essa Lisboa.

8 comentários:

  1. ... Bacana demais! Fico sempre muito surpresa por aqui!

    ResponderExcluir
  2. 9/12, vc num avião, indo pra inglaterra, e NÃO falou da porra da revolta em londres? uuahsuahs, até me surpreendeu

    ResponderExcluir
  3. Achei esse texto tão leve! Um dos mais sutis que já li por aqui, Guilherme. Apesar do final, no mínimo triste, o texto é pura descontração. Como sempre, bem escrito.
    P.S.: Gostei da Ana, haha.

    ResponderExcluir
  4. [pode excluir esse comentario depois se quiser]
    nossa, que engraçado, você é de portugal, do outro lado do atlantico, e eu nem sabia.. acho muito estranho isso, de conversar com alguem de tão longe como se fosse um conhecido de padaria.. você já é formado?

    ResponderExcluir
  5. ah, então você é brasileiro afinal.. mas porque parou jornalismo? uashuashuhsuhauhas conversar por comentário é ótimo

    ResponderExcluir
  6. muito bom, guilherme. muito bom mesmo! e, você mora em portugal? haha, li nesses comentários anteriores.

    ResponderExcluir
  7. Escreves com alma!
    Sou socia de uma revista, tenho acompanhado seus textos caro Guilherme.
    estamos de olho em você!

    J.M.k'

    ResponderExcluir